Entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922, ocorreu, no Theatro Municipal de São Paulo, a icônica Semana de Arte Moderna. Este evento marcou o início do movimento modernista nas artes, na literatura, na música e em outras áreas culturais brasileiras. Caracterizou-se por uma ruptura com os padrões artísticos preestabelecidos, como o parnasianismo, e buscou inaugurar uma nova manifestação estética.
Organizado por um grupo de jovens intelectuais, o evento trouxe ao cenário cultural brasileiro um frescor inovador e provocador. A influência das vanguardas artísticas em voga no início do século XX, como o futurismo, o cubismo e o expressionismo, foi de alta relevância para a criação de uma nova ideia para as artes brasileiras.
A Semana de Arte Moderna contou com uma programação diversificada, que incluiu apresentações de dança, música, recitais de poesia, exposições de pinturas, esculturas e projetos arquitetônicos, além de conferências e palestras. Entre os participantes destacaram-se músicos como Heitor Villa-Lobos, Guiomar Novaes, Ernani Braga e Frutuoso Viana. No âmbito literário, os escritores Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia, Guilherme de Almeida, Ribeiro Couto e Sérgio Milliet desempenharam um papel de grande significância. No grupo de pintores, foram ao todo, quase 100 peças de telas de Anita Malfatti, Di Cavalcanti e Vicente do Rego Monteiro, e também esculturas de Victor Brecheret entre outros artistas, das quais foram expostas no saguão do Theatro Municipal de São Paulo. Entre os organizadores, figuram nomes como Graça Aranha, Di Cavalcanti e Paulo Prado.
Os anos 1920 marcaram profundas transformações no Brasil e no mundo, criando um cenário favorável ao Modernismo brasileiro. O fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) abalou estruturas políticas e culturais na Europa, impulsionando vanguardas artísticas que buscavam romper com o academicismo. No Brasil, sob o domínio das oligarquias cafeeiras e com uma economia agrária centrada no café, o início da industrialização e a rápida urbanização trouxeram tensões entre tradição e modernidade.
A elite brasileira, fortemente influenciada pela cultura europeia, muitas vezes desprezava o que era considerado genuinamente brasileiro. Apesar das transformações econômicas, o país ainda enfrentava profundas desigualdades sociais, com a maioria da população vivendo no campo, em condições precárias. Intelectuais e artistas da época começaram a questionar esses valores tradicionais.
Alguns artistas alcançaram tamanha relevância que seus nomes continuam em destaque até a atualiade, como é o caso de Oswald de Andrade (1893-1945) e Mário de Andrade (1890-1954). Apesar da coincidência nos sobrenomes, não havia qualquer parentesco entre eles, apenas uma amizade que perdurou o suficiente para consolidá-los como grandes expoentes do Modernismo brasileiro. Juntos, contribuíram para o movimento com obras que sintetizam os ideais defendidos por ambos e por seus contemporâneos.
Oswald e Mário foram aliados importantes no Modernismo, mas mantiveram uma relação marcada tanto por colaboração quanto por conflitos ao longo de suas vidas. No início, os dois se aproximaram por compartilharem o desejo de romper com as convenções artísticas do período pré-modernista. Entretanto, as divergências começaram a surgir devido às diferenças de temperamento e visão artística. Mário de Andrade era metódico, disciplinado e profundamente comprometido com a pesquisa e a valorização da cultura popular brasileira. Em contraste, Oswald de Andrade tinha um espírito irreverente e provocador, com um olhar marcado pela fragmentação e pelo humor crítico em suas obras, como um instrumento de transgressão tanto artística quanto social.
Apesar dos conflitos posteriores, na década de 1920 ambos mantiveram uma amizade sólida e conquistaram posições de destaque com suas obras principais. Os jovens Oswald de Andrade e Mário de Andrade, motivados pelo desejo de destacar a singularidade do Brasil em termos de cultura, ideais e identidade, buscaram se afastar das influências europeias impregnadas na identidade artística brasileira. Após testemunharem os impactos da Primeira Guerra Mundial e a chegada da primeira leva de imigrantes europeus, os dois criaram obras que se tornaram fundamentais para a consolidação do Modernismo brasileiro: O Manifesto da Poesia Pau-Brasil (1924) e Manifesto Antropófago (1928) de Oswald de Andrade e o romance Macunaíma (1928), de Mário de Andrade. Cada uma dessas produções aborda, de forma distinta, a construção de uma identidade cultural brasileira, articulando um diálogo crítico com a colonização e as influências estrangeiras.
Publicado inicialmente no Correio da Manhã no contexto do Primeiro Modernismo, o Manifesto da Poesia Pau-Brasil (1924), representa um chamado para a criação de uma arte genuinamente brasileira, que valorize a simplicidade e a espontaneidade. Oswald de Andrade propõe a valorização da linguagem cotidiana e das formas populares de expressão, buscando um “Brasil puro” e original, inspirado no período pré-colonial e nas culturas indígenas. Em um dos trechos do manifesto, lê-se:
“A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros, como falamos. Como somos.”
Naquela época, o manifesto era uma tentativa de romper com a dependência cultural europeia, propondo uma literatura autóctone inserida nas características e peculiaridades do Brasil. Esse rompimento, no entanto, não se dava por meio do isolamento, mas por uma redescoberta criativa da identidade nacional, amplamente incorporada pelos artistas do período.
O início do século XX foi marcado por intensa efervescência cultural na Europa, com as vanguardas artísticas desafiando os conceitos tradicionais. Movimentos como o Futurismo, Cubismo, Dadaísmo e Surrealismo propunham novas formas de pensar a arte, explorando múltiplos pontos de vista simultaneamente, recorrendo à colagem e à montagem na literatura e nas artes visuais, além de questionarem o racionalismo e a tradição acadêmica. Esses aspectos trouxeram irreverência à linguagem e uma postura crítica em relação ao academicismo.
Nesse cenário, a relação do Manifesto da Poesia Pau-Brasil (1924) com as vanguardas europeias torna-se essencial para compreender sua proposta estética e sua busca por uma identidade literária brasileira. Oswald de Andrade assimilou essas influências sem perder de vista a especificidade nacional. Em vez de simplesmente seguir modelos estrangeiros, Oswald propôs uma literatura que transformasse tais influências em algo novo e autêntico.
Em 1928, Oswald de Andrade lança o Manifesto Antropófago. O texto propõe um Brasil que não apenas absorve influências externas, mas as transforma de maneira única e própria. Publicado na Revista de Antropofagia, no auge do Modernismo brasileiro, o manifesto é influenciado pelo seu antecessor, Manifesto da Poesia Pau-Brasil (1924), mas agora, adota um tom mais radical, configurando-se como uma crítica à submissão do Brasil às normas culturais europeias.
Também em 1928, Mário de Andrade publica: “Macunaíma: o herói sem nenhum caráter”. Esta é uma das obras mais emblemáticas do Modernismo brasileiro. O romance sintetiza os ideais modernistas ao propor uma releitura da identidade nacional por meio da diversidade cultural e da desconstrução dos padrões narrativos tradicionais. Influenciado pelo Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade, Macunaíma absorve e ressignifica influências europeias em um contexto tipicamente brasileiro.
Diferentemente dos manifestos modernistas, Macunaíma adota a forma de romance, caracterizando-se por uma linguagem coloquial que mescla oralidade e erudição, além de romper com a estrutura narrativa clássica. A obra combina lendas indígenas, mitos populares, expressões regionais e elementos urbanos, compondo um mosaico da pluralidade brasileira. O romance conta a trajetória de Macunaíma, o “herói sem nenhum caráter”, que nasce na Amazônia e passa por diversas aventuras pelo Brasil em busca de uma pedra mágica, o muiraquitã, roubada pelo gigante Piaimã. Durante sua jornada, Macunaíma atravessa diferentes paisagens e encontra personagens que representam o Brasil miscigenado, suas lendas, culturas e contradições. A história tem um tom cômico e irreverente, misturando mitos indígenas, elementos do folclore nacional e a linguagem oral popular.
A inovação linguística da obra se manifesta no uso de ditados populares, neologismos, estrangeirismos e expressões regionais, alinhando-se à proposta modernista de romper com a norma culta e explorar a diversidade do português falado no Brasil. Sua estrutura fragmentada e não linear reforça a experimentação formal característica do Modernismo. Assim, Macunaíma permanece uma referência fundamental para a compreensão da identidade nacional e da literatura modernista.
Sendo assim, a Semana de Arte Moderna de 1922 representou uma ruptura fundamental na cultura brasileira, impulsionada por intelectuais como Mário de Andrade e Oswald de Andrade. O evento marcou o início de um movimento que buscava uma identidade artística independente, livre das influências europeias ultrapassadas e mais próxima das expressões populares e nacionais.
As obras Manifesto da Poesia Pau-Brasil (1924) e Manifesto Antropófago (1928), buscaram defender uma literatura brasileira moderna que pudesse servir de modelo para os estrangeiros, da mesma forma que, até então, a cultura nacional se baseava em referências externas.
Paralelamente com Macunaíma (1928), um romance que sintetiza a identidade nacional ao mesclar mitos indígenas, oralidade popular e experimentação linguística. A obra se tornou um símbolo da antropofagia literária, incorporando elementos diversos para criar um personagem que representa a essência contraditória do Brasil.
Assim, a Semana de 22 não foi apenas um marco inicial, mas um catalisador de novas ideias que se desenvolveram ao longo da década. O diálogo entre Mário e Oswald resultou em uma literatura inovadora e genuinamente brasileira, cujo impacto foi de tamanha relevância que influenciou posteriores movimentos brasileiros e se mantém vivo até os dias de hoje.

Oi, sou a Amanda! Tenho 24 anos, estudo Letras com habilitação em alemão pela Universidade de São Paulo e sou uma entusiasta apaixonada por literatura e arte. Me perco nos clássicos russos, alemães e ingleses, encontro beleza na música e, quando se trata de nossa literatura brasileira, Clarice Lispector é meu porto seguro. Aqui no blog, divido minhas reflexões e descobertas literárias e afins.