Imagine ir a uma peça teatral com o objetivo de se entreter e relaxar. De repente, no decorrer da apresentação, um ator interrompe a encenação, dirige-se diretamente ao público, rompendo a quarta parede, e introduz uma questão urgente que exige a reflexão e engajamento coletivo. Essa é a essência do teatro concebido por Bertolt Brecht.
Nascido na Alemanha em 10 de fevereiro de 1898, Bertolt Brecht foi um dos dramaturgos, poetas e teóricos de teatro mais influentes do século XX. Conhecido principalmente por suas contribuições ao chamado teatro épico, seus trabalhos buscam provocar o pensamento crítico no público, em vez de simplesmente entretê-lo ou envolvê-lo emocionalmente.
As técnicas de Bertolt Brecht derivam de sua análise do teatro tradicional, que, até o início do século XX, era marcado por textos com linguagem excessivamente complexa e enredos previsíveis. Essa abordagem, segundo Brecht, não oferecia ao teatro um espaço para discussões sérias e transformação social. Para ele, o teatro não deveria servir apenas como entretenimento ou oferecer conforto ao público. Pelo contrário, seu objetivo era provocar argumentos, questionar convenções e, sobretudo, estimular a reflexão social e política. O crítico literário Walter Benjamin analisa, em seu ensaio “Der Autor als Produzent” (1934), a nova concepção de teatro proposta por Bertolt Brech:
“O público não é mais uma massa de cobaias hipnotizadas, e sim uma assembleia de pessoas interessadas, cujas exigências ele precisa satisfazer. […] Para seus atores, o diretor não transmite mais instruções visando à obtenção de efeitos, e sim teses em função das quais eles têm de tomar uma posição. Para seu diretor, o ator não é mais um artista mímico que incorpora um papel, e sim um funcionário que precisa inventariá-lo” (BENJAMIN, 2014, p. 85)..
Nesse contexto, Brecht desenvolveu um novo conceito para as artes dramáticas. Diferentemente do teatro aristotélico, cujo propósito é envolver emocionalmente o público e conduzi-lo à catarse, o teatro épico brechtiano visa fomentar uma reflexão criteriosa, utilizando o chamado efeito de estranhamento (Verfremdungseffekt). Esse recurso buscacriar uma distância emocional que impeça a identificação passiva, incentivando o espectador a adotar uma postura analítica diante das questões apresentadas.
No teatro dramático tradicional, a narrativa é estruturada de forma linear, com uma sequência de eventos interligados que conduzem o espectador a um desfecho inevitável. Essa abordagem visa criar uma experiência imersiva, na qual o espectador se perde nahistória e nos dilemas dos personagens, muitas vezes aceitando passivamente os valores e ideias implícitos na obra, perpetuando a essência de um teatro voltado para as elites.
Bertolt Brecht buscou romper com essa linearidade e passividade do espectador. Para ele, o público não deveria identificar-se emocionalmente de maneira acrítica com os personagens de uma ação. Nada de lágrimas fáceis ou finais felizes. Em vez disso, Brecht propôs uma estrutura fragmentada, semelhante a um quebra-cabeça, com cenas autônomas que podem ser apresentadas fora de ordem. Essas cenas são intercaladas por narrações, músicas e comentários que interrompem a fluidez narrativa. Muitas vezes, os atores mudam de personagem em cena, à vista do público, utilizando apenas um acessório ou elemento de figurino para sinalizar a transição.
Logo, o teatro épico brechtiano busca evitar que o público se envolva emocionalmente a ponto de perder sua capacidade crítica. Suas peças oferecem um retrato do mundo externo, do cotidiano e por vezes das adversidades da humanidade. Nesse contexto, o Verfremdungseffekt (efeito de estranhamento) desempenha um papel central. Essa estratégia força o público a reconsiderar aquilo que é geralmente aceito como natural, expondo as construções subentendidas e promovendo uma consciência crítica e reflexiva.
Enquanto o teatro tradicional baseia-se na empatia para criar uma identificação emocional entre o público e os personagens, culminando na catarse, o teatro épico utiliza a empatia apenas como ponto de partida, e não como objetivo final. No teatro de Brecht, a empatia serve para atrair a atenção do espectador, mas é rapidamente redirecionada para uma análise das questões estruturais que moldam os conflitos apresentados. Novamente, o efeito de estranhamento surge como moderador dos sentimentos empáticos. Elementos como comentários dos atores, músicas, interrupções da ação e a quebra da quarta parede são empregados para lembrar o público de que está diante de uma encenação e de que os problemas apresentados têm causas estruturais que podem – e devem – ser questionadas e transformadas.
Duas das obras mais emblemáticas de Brecht, “A Ópera dos Três Vinténs” (1928) e “Mãe Coragem e Seus Filhos” (1939), exemplificam de maneira clara os princípios do teatro épico.
Em “Mãe Coragem e Seus Filhos”, o espectador é levado a refletir sobre os impactos da guerra na vida de indivíduos comuns e sobre como as escolhas pessoais estão condicionadas por fatores econômicos e sociais. A obra evita julgamentos morais simplistas, encorajando uma análise ampla das contradições que moldam a protagonista. Já em “A Ópera dos Três Vinténs”, Brecht explora temas como hipocrisia e corrupção, subvertendo constantemente as expectativas do público. Os personagens não são apresentados como heróis ou vilões tradicionais, mas como figuras complexas, movidas por interesses próprios. Essa abordagem rompe com a empatia irrestrita e convida o espectador a examinar criticamente as estruturas sociais que sustentam as ações e os comportamentos das personagens. Ambas as obras refletem o compromisso de Brecht comum teatro que desafia a passividade do público, promovendo uma visão crítica da sociedade e suas contradições.
A influência do teatro épico de Brecht também foi marcante na produção teatral brasileira, especialmente nos anos 1960, período em que grupos e autores brasileiros incorporaram seus conceitos para repensar a relação entre cena e público. O Teatro de Arena, fundado em 1953, em São Paulo, por exemplo, adaptou os princípios brechtianos não apenas à encenação, mas também ao espaço cênico, colocando público e atores em um mesmo nível, organizados em torno de uma arena circular, o que favorecia a interação e a igualdade entre as partes. Outro exemplo significativo é o trabalho do dramaturgo Augusto Boal, que desenvolveu o conceito do Teatro do Oprimido, no qual o espectador deixa de ser um observador passivo para se tornar um sujeito atuante, capaz de transformar a ação dramática e, simbolicamente, a própria realidade. Esse enfoque promove uma experiência teatral profundamente educativa e emancipatória, alinhada às ideias de Brecht sobre a arte como ferramenta de conscientização social.
Esses artistas não apenas integraram elementos do teatro épico brechtiano, como também os adaptaram ao contexto brasileiro, abordando questões sociais, políticas e culturais específicas do país. Muitas dessas produções funcionaram como instrumentos de resistência e conscientização, demonstrando o potencial transformador do teatro em tempos de opressão e crise social.
No teatro atual, os conceitos de Bertolt Brecht permanecem profundamente influentes, inspirando produções que desafiam o público a refletir criticamente sobre questões sociais e políticas. Brecht transformou o teatro em um espaço de análise e conscientização, rompendo com a passividade emocional e promovendo uma experiência ativa e reflexiva. Sua abordagem inovadora, caracterizada pelo efeito de estranhamento e pela fragmentação narrativa, não apenas revolucionou as artes cênicas de sua época, mas também consolidou seu legado como um dos mais importantes teóricos e criadores do teatro moderno.

Oi, sou a Amanda! Tenho 24 anos, estudo Letras com habilitação em alemão pela Universidade de São Paulo e sou uma entusiasta apaixonada por literatura e arte. Me perco nos clássicos russos, alemães e ingleses, encontro beleza na música e, quando se trata de nossa literatura brasileira, Clarice Lispector é meu porto seguro. Aqui no blog, divido minhas reflexões e descobertas literárias e afins.