Goethe e Schiller: Reflexões Sobre os Gêneros Poéticos
As correspondências entre Johann Wolfgang von Goethe e Friedrich Schiller, dois dos maiores nomes da literatura alemã, trocadas entre 1794 e 1805, constituem um marco na história literária. Esses diálogos, realizados durante o auge do Classicismo de Weimar, revelam uma visão profunda e sistemática sobre os gêneros poéticos, abordando suas características e funções teóricas. Mas afinal, o que são os gêneros Poéticos?
Os gêneros lírico, épico e dramático possuem definições distintas, mas mantêm características permanentes que os atravessam desde a antiguidade até a contemporaneidade. Essas classificações remontam inicialmente às concepções aristotélicas da Arte Poética e aos estudos de outros teóricos da antiguidade, sendo consideradas as principais divisões da literatura clássica, cada qual como uma forma distinta de expressão artística. Em suma, gênero é um conjunto de regularidades.
Segundo Anatol Rosenfeld, em O Teatro Épico, “pertencerá à lírica todo poema de extensão menor […]”; “fará parte da épica toda obra — poema ou não — de extensão maior, em que um narrador apresenta personagens envolvidas em situações e eventos”; e, por fim, “pertencerá à dramática toda obra dialogada em que atuem os próprios personagens sem serem, em geral, apresentados por um narrador” (ROSENFELD, 2014, p. 23).
A lírica caracteriza-se pelo discurso rítmico. Exemplos clássicos incluem formas como a ode, o hino e a elegia. Aristóteles relaciona a lírica aos ditirambos, cânticos festivos dedicados a Dioniso, nos quais predominava o eu lírico como centro da experiência poética.
A épica, por sua vez, é o gênero narrativo que apresenta histórias grandiosas, envolvendo heróis e feitos extraordinários, tanto em verso quanto em prosa. O gênero é associado a obras de grande extensão, como epopeias, tragédias, romances e novelas. Exemplos clássicos incluem as obras homéricas Ilíada e Odisseia e a Eneida de Virgílio, que ilustram a grandiosidade e o caráter universal da épica.
Por fim, o drama combina elementos narrativos (como na épica) e diálogo (como na lírica), com o objetivo principal de ser representado no palco. O gênero dramático abrange tragédias e comédias, nas quais os próprios personagens conduzem a ação diretamente, sem a intermediação de um narrador.
Goethe e Schiller discutiram intensamente os gêneros poéticos em suas correspondências, trocadas ao longo do período de 11 anos. Após superarem a fase romântica, ambos os escritores buscaram o estudo da antiguidade, visando compreender e preservar os gêneros poéticos para a modernidade. Nesse contexto, dedicaram especial atenção aos gêneros épico e dramático, debatendo suas particularidades e semelhanças.
Goethe, descreve a diferença essencial entre os gêneros épico e dramático:
“O poeta épico apresenta o acontecimento como completamente passado, e o poeta dramático o apresenta como completamente presente.”
Apesar dessa distinção estrutural, ambos os gêneros compartilham temas centrais, como a ação humana, os conflitos existenciais e as questões filosóficas sobre a condição humana. Entretanto, cada gênero os aborda de forma única, preservando suas características próprias.
Esse debate sobre a pureza e a distinção dos gêneros poéticos é aprofundado em uma carta de Goethe a Schiller, datada de 23 de dezembro de 1797:
“Nesse exercício, chamou-me a atenção o fato de nós, modernos, estarmos tão inclinados a misturar os gêneros; na verdade, não somos capazes de distingui-los uns dos outros nem uma vez sequer. Isso parece advir exclusivamente do fato de que os artistas, que deveriam realmente produzir as obras de arte dentro de suas condições puras, cedem obsequiosamente àquela aspiração dos espectadores e ouvintes por achar tudo completamente verdadeiro.”
Nessa reflexão, Goethe critica a tendência de sua época de misturar os gêneros literários, o que, segundo ele, compromete a pureza e a autonomia de cada forma artística. Para Goethe, essa fusão descontrolada reflete o desejo dos artistas de atender às expectativas do público, que buscavam obras que se conectassem diretamente à realidade e às emoções humanas. Essa busca por verossimilhança, entretanto, colocava em risco a essência única de cada gênero.
Schiller, em resposta a Goethe no dia 26 de dezembro de 1797, ofereceu uma outra perspectiva:
“Assim, a tragédia em seu conceito mais elevado sempre se esforçará para se elevar ao caráter épico e só assim se tornará poesia. O poema épico, da mesma forma, descerá ao drama e só assim preencherá completamente o conceito genérico da poesia; é exatamente isso que torna poéticas ambas as obras e as aproximam uma da outra.”
Para Schiller, a interação entre os gêneros não é um problema, mas uma característica essencial da poesia enquanto arte superior. Ele reconhece a autonomia e a excelência dos gêneros clássicos, mas também defende que a combinação entre eles pode enriquecer a literatura, tornando-a mais abrangente e capaz de transmitir de forma plena a experiência humana. Assim, as correspondências entre Goethe e Schiller ilustram não apenas uma tentativa de entender os gêneros poéticos em suas formas puras, mas também uma busca por novas possibilidades artísticas que unissem tradição e inovação, emoção e reflexão.
Em 29 de dezembro de 1797, Schiller escreveu a Goethe:
“Sua tarefa atual de separar e purificar os dois gêneros (Gattungen) é, certamente, da mais alta importância, mas você deve estar convencido comigo de que, para excluir de uma obra de arte tudo o que é estranho ao seu gênero, é preciso também ser capaz de incluir nela tudo o que é apropriado ao gênero […]. Como não podemos reunir as condições sob as quais cada um dos dois gêneros se assenta, somos obrigados a misturá-los.”
Goethe, inicialmente, enfatizava a necessidade de preservar a pureza dos gêneros poéticos. Para ele, a distinção clara entre os gêneros era fundamental para garantir sua integridade artística. Contudo, ele também reconhecia que, na prática, os limites entre os gêneros frequentemente se confundiam, especialmente na modernidade, onde as expectativas do público influenciavam os artistas e promoviam a fusão das formas literárias.
Após a morte de Schiller, em 1805, Goethe desenvolveu ainda mais essas reflexões em Divã Ocidento-Oriental (1819). Nessa obra, ele analisou as interações entre os gêneros poéticos:
“Existem apenas três verdadeiras formas naturais da poesia: a claramente narrativa, a entusiasticamente inspirada e a que trata de ações pessoais: épica, lírica e drama. Esses três modos de poetar podem agir juntos ou em separado. No menor poema encontram-se com frequência os três juntos, e é justamente por essa união no espaço mais comprimido que elas produzem as imagens mais maravilhosas, como as que percebemos nas baladas mais admiráveis de todos os povos. Na mais antiga tragédia grega também vemos as três formas unidas, e apenas depois de passado certo tempo é que elas vêm a se separar.” (Divã Ocidento-Oriental, 1819).
As correspondências trocadas ao longo de 11 anos entre Goethe e Schiller revelam uma análise profunda sobre os gêneros poéticos. Apesar de reconhecerem a importância das classificações tradicionais — épico, lírico e dramático —, ambos concluíram que a excelência poética reside na capacidade de combinar esses gêneros de maneira harmônica e significativa. Para eles, essa fusão representava uma evolução artística que unia o passado e o presente, o racional e o emocional.
O Legado de Goethe e Schiller
Johann Wolfgang von Goethe e Friedrich Schiller são considerados dois dos maiores autores da literatura alemã e pilares do pensamento estético ocidental. Goethe, amplamente reconhecido por sua contribuição universal à literatura, ciência e filosofia, consolidou seu legado com obras como Fausto, um marco na literatura mundial. Schiller, por sua vez, destacou-se como poeta, filósofo e dramaturgo, sendo celebrado por ensaios como Sobre a Educação Estética do Homem e Cartas Estéticas, além de suas peças teatrais que combinam intensidade emocional e reflexão filosófica.
Juntos, como amigos e incentivadores mútuos, Goethe e Schiller influenciaram profundamente o pensamento literário e estético de sua época e além. Suas discussões sobre os gêneros poéticos e o papel da arte moldaram a literatura moderna, deixando um legado duradouro na filosofia, nas artes e na cultura global.
Oi, sou a Amanda! Tenho 24 anos, estudo Letras com habilitação em alemão pela Universidade de São Paulo e sou uma entusiasta apaixonada por literatura e arte. Me perco nos clássicos russos, alemães e ingleses, encontro beleza na música e, quando se trata de nossa literatura brasileira, Clarice Lispector é meu porto seguro. Aqui no blog, divido minhas reflexões e descobertas literárias e afins.
Incrível, simplesmente incrível pqn estrela, que esse seja um de muitos, como sempre extremamente inteligente
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Que esse seja um de muitos que virão de você
Impecável. Gostei muito da análise
Ficou muito perfeito❤️
Meus parabéns!!!